terça-feira, 5 de janeiro de 2016

Diz que é uma espécie de psicanálise sem o divã

Lia eu hoje de manhã que o Zizek é como o Rorschach: cada um vê nele o que quer ver. Achei piada à ideia, mas não liguei muito nem estava, à data, suficientemente documentada para concordar ou discordar. Agora, à noite, pus-me a ler Problemas no Paraíso, que o simpático Pato Donald esloveno (uma anáfora tão boa como qualquer outra) publicou em 2014, e não é que aqueles gajos tinham razão?

Dizia ele que o pior do comunismo e do capitalismo não deviam ser varridos para debaixo do tapete com a desculpa de que essas modalidades não são as puras, as verdadeiras. E eu lembrei-me daquelas campanhas de consciencialização para a violência de género em que aparecem homens a dizer que “os homens a sério não violam” e de como essa ideia é perigosa. Tal como é perigosa, num outro patamar, a ideia de que “a praxe abusiva não é praxe”. Os homens que violam não fazem parte de outra espécie, não são de outra tribo, e a praxe abusiva continua a ser praxe. Há que reconhecer as maçãs podres como parte do grupo em que nos inserimos e saber que, mais importante do que nos distanciarmos delas, é perceber o que está na sua raiz; compreender que temos a capacidade de sermos tão más quanto elas. Separam-nos os valores, a índole, a moralidade, a empatia – o que quer que seja – mas as relações hierárquicas de poder estão enraizadas no tecido social. São elas que permitem a um homem (latu sensu) sentir-se no direito de abusar da sua autoridade e poder.


Falava o Zizi, mais à frente, na Europa que impõe à Grécia medidas de austeridade para não se endividar mais, impedindo, com essas mesma medidas, que consigam pagar a dívida. Uma pescadinha de rabo na boca, e sabemos bem quem está na cauda. E eu pus-me a pensar que falamos de FMI, da Europa, da Grécia, e lhes atribuímos sentimentos, relações de dominação e submissão, de vergonha e culpa, como se de pessoas se tratassem. Tomamos o todo pela parte, e a parte são pessoas que, num todo que se pressupõe homogéneo, se transformam num sistema. Mas e se a máquina se desligasse? A Merkel amanhã não vai trabalhar. Ninguém pensa na banca, nem na dívida, larga tudo a máquina capitalista e deixa-a ao abandono. A luz vai abaixo, o sistema colapsa. Os signos deixam de ter referentes E depois? Depois teríamos de pegar em nós, em cada um de nós, de nos agruparmos, de nos associarmos e reconstruirmos tudo do zero. Ninguém parava este meu comboiinho do delírio, mas depois apercebi-me de que isto era uma ideia muita anarquista e enxotei-a. 

quinta-feira, 16 de julho de 2015

sexta-feira, 19 de junho de 2015

Bodas de Canário

Jesus transformou água em vinho.
Tu transformaste-me num gelado e deixaste-me derreter ao sol.

quarta-feira, 13 de maio de 2015

O Mercado da Mediocridade


Em tempos de crise, prolifera o empreendedorismo. Estão muito na moda as start-ups, o marketing, os pitches, o life coaching e outras tantas palavras inglesas. Já muitos escreveram sobre o assunto, já muita gente se riu com os Migueis Gonçalves, os Chagas Freitas e os Gustavos Santos desta vida. Para eles, os marketeers (e todos os supracitados são precisamente isso; vivem do marketing), nós somos os velhos do Restelo, somos os chatos, os botabaixistas que não querem ver o país andar para a frente e então ficam no sofá (ou nos blogues) a mandar bitaites sobre os negócios dos outros.

Não me interpretem mal: há bom empreendedorismo em Portugal, como em todo o lado. Bons projectos, projectos com valor. Mas aqui está a grande questão: para mim, um bom projecto, a par de gerar valor para quem o concebe, deve gerar valor para o país, para o mundo. Ou, no limite, não o retirar. Se eu escrever livros de auto-ajuda com os pés só porque sei que há dois milhões de pessoas que os vão comprar e é dinheiro fácil, eu retiro valor à literatura, que deveria ser uma arte e não um mero negócio. Valorizo o mercado do livro de auto-ajuda e desvalorizo a criação literária. Se eu criar uma empresa de traduções online como a Unbabel, onde pode trabalhar qualquer pessoa, qualquer biscateiro, que pratica preços baixíssimos e gera traduções de baixíssima qualidade (um texto é traduzido por umas 15 pessoas, nenhuma delas tem acesso aos bocados que os outros traduziram e – a razão mais óbvia – nenhuma delas é tradutora), estou a desvalorizar o trabalho do tradutor profissional e a promover o lixo.

E dizem-me vocês: «Mas se esse mercado fast-food existe, se há a lei da oferta e da procura, qual é o problema de o explorar? Cada um escolhe o que quer, não sou responsável pelas escolhas dos outros». O problema é simples: para o país avançar, não bastam boas ideias de negócio. São necessárias ideias que premeiem a qualidade e não a mediocridade.